domingo, 30 de maio de 2010

Quiproquó

Olho pro lado e não as vejo. Procuro atrás dos móveis. Nada de nada. As palavras fugiram. Todas, de todas as línguas, etimologias e origens. Fugiram de mim porque hoje não me desejam. Eu sou o risco de saias. E eu meto medo. Por isso, penso, as palavras fugiram. Assustadas. E foram sem asas - aliás, nem são aladas. Devem ter se ido correndo, com seus pés de palavras bem firmes no seu chão, suas linhas... As palavras fugiram. Me sinto órfã e também viúva. Não vou sofrer muito, nem morrer de desgosto, nem chorar horrores pela partida que fizeram, contudo. É domingo e as palavras mataram seu desejo de folga, fugindo sem aviso. Tiraram férias de mim e eu, resolvida e audaciosa, não vou esperar que voltem com a luz do quarto acesa. Gosto das palavras, tanto, que vou deixá-las fugidas pelo tempo que desejarem. E ainda dormirei em paz. Promessa! Não chamo pelo nome, não grito, não protesto. Finjo que acho graça na peça que me pregaram. Caso voltem por espontânea vontade, muito que bem. Mas que voltem no escuro e ainda tropecem nas exclamações. Que se atrapalhem, todas, que briguem e se esbarrem para conseguir retornar aos seus devidos lugares. O caso é que as palavras fugiram. Todas. E eu me sinto amarrada. Nelas, mesmo na distância. E na falta que me fazem. Devem estar zombando de mim, em algum lugar, na sua fuga, as benditas e benquistas. As palavras fugiram. Não me querem. Dançam ciranda nos meus pensamentos, se rearranjam, se acentuam, se dissolvem. Mas não voltam... Não, não voltam. Porque são tuas demais para que isso aconteça.

sábado, 29 de maio de 2010

Palavra

Que não são só de profundidades que eu sou constituída, não. Nem de coisas que rendem um post de gente bacana e admirável!
Saí pra comprar roupas com a minha mãe essa manhã. Falamos de muitas coisas. Falamos de roupas, claro. De acessórios. De corpo. Das transeuntes e das coisas que não usaríamos nem bem pagas, por mais hype que o povo teime em fazer ser. Minha mãe é jovem, tem opiniões muito parecidas com as minhas - eu com as dela - e consegue, no alto do seu bom senso, estabelecer conversa sobre moda sem ser fútil. Ponto pra ela que isso é praticamente uma raridade. Mas também falamos dos nossos trabalhos, de limpeza de casa e de salários. Eu gosto de comprar roupa. Eu gosto muito da minha mãe. Eu gosto de ser bombardeada com as novidades que ela não me conta durante a semana por falta de tempo. E gosto de bombardeá-la. Ontem dormi sem tirar a maquiagem, por preguiça ou falta de disposição. Acordei tarde, com rímel escorrido até nas bochechas, tomei café, me produzi e saí pra comprar roupas. Tô ouvindo Weezer e The Strokes, escrevendo pra ninguém. Combinei de sair pra beber com as amigas, essa noite. Tô com saudade delas. Vou de roupa nova e salto alto. Amanhã acordo com rímel até nas bochechas outra vez. Palavra.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Meu pequeno prazer amelístico

Fui faxinar as minhas comunidades do orkut e vi, lá, a Audrey Tautou de Amélie Poulain no cinema com sua expressão de prazer. É uma cena azul e fácil da gente se apaixonar. Me acometeu, então, a saudade da dança. Dos holofotes amarelos, vermelhos, azuis e verdes voltados para os meus trajes típicos e a minha maquiagem carregada demais. Meu figurino árabe, minha fantasia de gato, meus montes de roupa por baixo do vestido de alemã e um sem fim de outras. A cara de euforia que eu fazia pra tudo aquilo. Dançar sempre foi bem mais do que uma distração... Da época da dança folclórica, do jazz, do street, da dança do ventre, do samba (...) era quase uma terapia. Não importa se a dança é de parzinho, se é de avulso, no meio do salão, se é com telespectador, platéia, se é no meio do quarto com a porta fechada. Dançar faz a gente sonhar que voa. Você esquece a música e não erra o ritmo, esquece até a coreografia ensaiada por meses: Você só dança porque o seu corpo só quer dançar. É a minha arte preferida. Com a dança você nunca se engana... Pra dança eu faço cara de Amélie. Todas as vezes.

Hoje eu estou com vontade de dançar.
E ter vontade de dançar, penso,
é um sinal de que as coisas estão do jeito que deveriam.
Para o bem e para o mal...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Ao contrário.

Meu coração e meus ânimos não ouviram o sinal do quarto. Ao contrário. Trataram de colocar fones de ouvido que isolavam, completamente, qualquer som que o quarto pudesse querer fazer. Então escrevi uma carta a lápis. Não pra poder apagar. Ao contrário. Foi a lápis de cor. Pra alimentar o meu trauma de infância de não conseguir apagar rabiscos de lápis de cor. Pra ter certeza de que tudo que eu escrevesse não era passível de erro. Queria entregar, não poderiam haver erros. Ao contrário. Houveram vários. Uma letra errada atrás da outra, formando palavras erradas, uma atrás da outra. Formando cinco parágrafos errados, um atrás do outro. Eu. Humilde. A carta. Ao contrário. Pretensiosa. Cheia dos meus planos, do meu a limpo sem rascunho. Sem rascunho. Ao contrário. Muito cheia de rascunho, demais a ponto de não conseguir escrever sobre isso com a exatidão que eu pretendia. Acho que escrevi uma carta. Ao contrário. No final ela era muito mais de quem a remetia do que para o destinatário. No fim, era uma carta dentro de um envelope de papel pardo sem selo. Sem cola. Seria retirada dali, como tudo havia sido desde o começo: Ao contrário.

Pela tangente

Escutando isso!

Às vezes ninguém diz as coisas por você. Às vezes você não procura quem diga coisas pra você. Às vezes as coisas que você precisa ouvir batem na sua porta, às vezes as coisas que você não quer ouvir colam nos seus ouvidos, às vezes as coisas que você não imaginava ouvir aparecem naquele filme antigo, às vezes você as supõe. Às vezes elas fogem.
Hoje eu queria ouvir alguma coisa. Não, hoje eu queria dizer alguma coisa. Hoje eu queria ouvir dizer e dizer pra fazer ouvir. Mas eu não sei o quê. O meu quarto tá fazendo questão de me esmagar pra não sair nada além de silêncio, frases desconexas e espera infinita. Paciência, paciência, paciência. Ele me implora calmaria e eu respondo com confusão.
O meu quarto tá me dando um sinal pra aquietar o coração e os ânimos. Nada é mais do que é, ele repete. Parece óbvio, eu sei, mas preciso dizer outra vez. Pra me convencer. Nada é mais do que é. Não consigo embelezar ou redimensionar o que é. O que é tá em todo lugar, sendo. Se for muito, vai ser sempre muito. Se for pouco, não vai deixar de ser com qualquer coisa que eu diga ou que eu ouça.
É. As coisas que queremos dizer, às vezes,
por um motivo ou por outro, nos fogem.

domingo, 23 de maio de 2010

Versos e verbos

Era mais sóbria agora. Adulta, pronta e menos impaciente. Contudo, a monotonia dos dias beirava o incontrolável. A manhã fazia muito frio pra qualquer escrita. Antes de sair apressada do apartamento vazio pelo simples prazer de ouvir o barulho da chave girando na fechadura e batendo nos chaveiros, acomodou o conforto e a inspiração no canto esquerdo da sala. Perto da estante e longe da janela. Vestia um casaco azul marinho quase comprido demais e um lenço cor de nada cuidadosamente envolto no pescoço. O cabelo estava preso bem no alto e os brincos, compridos, balançavam com os movimentos contidos da cabeça.
Habitualmente, lia o jornal e as notícias irrelevantes todas as manhãs com a imaginação um pouco além das letras, perto de onde moram as recordações macias. Sentada, agora, de costas para o previsível, onde Damien Rice cantava no volume baixo, desavisado, em caixas de som postas em algum lugar secreto, era possível ouvir as colheres pequenas batendo nas bordas das xícaras de chá e as conversas e risos nas mesas vizinhas. Porque toda mesa vizinha tem um riso, que quase sempre não acompanha a dor que cada um carrega consigo e não corresponde ao humor de quase todo dia.
Passaria um tempo ali, com o jornal sobre a mesa e uns livros ao lado, empilhados e insatisfeitos. Uma desviada de olhar para o relógio da parede, dos modelos antigos, mandaria avisar que eram quase 10 horas. Quase tarde pra quase tudo, mas quase cedo para o sonho antigo. O sonho, antigo, era diluído nos risos dos chás e despertava nas colheres apressadas em exercer seu tímido ofício. Foi quando um suspiro se fez ao observar, da porta para dentro, com uma expressão conhecida, aquele alguém que carregava uma sacola pequena e um olhar curioso. Não se sabe o que vestia, se usava relógio ou chapéu. Não se sabe se chegava com uns pingos de chuva no rosto ou se carregava um guarda-chuva por prevenção. Mas chegava, assim mesmo. Estava desacompanhado. Poucos minutos até se reconhecerem e reconhecerem que o já que antes não acontecia poderia ser, agora.
Sem acenos, a desgosto de uma expressão que não mudou muito no decorrer dos anos, fitaram-se. O tempo passava tão rápido ali, se opondo a um retrospecto dos últimos tempos. Não mais se perguntavam o que era aquilo. As respostas seriam sempre imprecisas demais pra uma pergunta que não precisasse de nada além do silêncio, na circunstância de outrora. Suas melhores palavras desde muito eram guardadas pra ele. Nos entretextos, algumas tantas ânsias de ver. De viver. De contar. Encantar. Acompanhar.
Largou o casaco e a sacola. Não se sentou. Talvez precisasse olhar, atento, uma última vez antes do impossível. Pra ter certeza de que tudo que havia antecedido aquele momento conspirava a favor. Ela, depositava sua fé na sinceridade dos elogios que viriam, porque a sinceridade não precisava ser vista e justificada dessa vez, só suposta. E bastava uma lembrança doce, entre as tantas. Haviam agora os avisos vagando através da janela. A distância, uma recordação ou outra que fazia sorrir sopros de nostalgia. Soprar risos do que era guardado. O não-dito, o oculto, o subentendido, a aspiração de tanto tempo atrás, do vir a ter. De uma época onde se cultivava essa aspiração de vir a ter.
Talvez não se amassem. O amor é pequeno, não basta quando sozinho, precisa de uma série de laços extremos e externos, logo deixa de servir para explicação. Aquilo, ao contrário, resistia ao tempo, a falta de laços e à falta de fôlego que nunca mais aconteceu depois da despedida. Era alguma coisa entre o platônico, o esquecido e o muito desejado.
Tinha limites, ele, que não respeitava nem antes nem depois. Deveria ser, por convenção, isto que se chama de correto. Dado. Distante. Exato. Deveria ser pra facilitar as coisas, mas não: Era mais, absurda e absolutamente, do que os limites e suas transgressões. Inclusive nos versos e verbos abandonados na mesa antes do giro da chave na fechadura e do barulho que o chaveiro faria todas as vezes, depois da primeira. Ele não notaria o lenço cor de nada, a pilha de livros ou os sorrisos alheios. Ele a reconheceria, de uma vez, mais intensa, por todas as que se foram e por todas as que viriam (...)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

É que eu preciso dizer

É incrível como minha memória olfativa sempre me trai.
E, a propósito...
Quem é que nunca quis prolongar uma conversa por vários dias?


Eu já nem sei se eu tô misturando...

terça-feira, 18 de maio de 2010

O meu amigo me fez uma música...

When you feel coming that heavy gust of idea and air
The thoughts will fallow the wind doing curves
(wind doing curves)
If it's a sign, take care with the bluster near your mind

Why your words were taken by a counter airfare?
Energy pulses will flow as shivers in you nerves
(shivers in your nerves)
If it's a sign, beware with the stoppage come outside

When your boss system reach the top cloud's stair
The nimbus will show your memories reserves
(memories reserves)
If it's a sign, beware with the strong mist come from inside

Let it light up
When darken down
let ir rain up
When open drown

Oh why my senses are going ahead in straight line?
Oh why my ideas are fighting to my trials baseline?
Suddenly something that you found
Bring all your support to the ground
Barely have you recovered your broken chain
The gusts blow it far away you again
Landing one more time in a different platform
Welcome one more time to this waited brainstorm

When you hear loud voices into the most complete silence
The birds will outflow than the reason's wings
(the reason's wings)
If it was a sign, you heard the first thunder without sound
Why from darkness was bom a new creative instance?
Then will shine a yellow strongest than ten sun's springs
(ten sun's springs)
If it was a sign, you saw a lightening on background

When you see your unreal field got more substance
The flowers will grow even as the purest things
(purest things)
If it was a sign, you iradiou current ray to beyond the bound

Constant and warm currents of experience
Collide with rarefied and cold one of thought
Throwing flashes, sounds and expectance
While blind your sight the clouds fraught
Letting it rains where already is wet
After the storm never comes the slack
Before it there's the repair moment yet
Where standard models are left to lack

Brainstorm - Kamikasianami

Breve biografia do autor:
Kamikasianami é gentil, educado,
inteligente, singular e doce.
Ele me cumprimenta com os olhos,
com as mãos e com um sorriso.
Absolutamente sempre que me vê.
É a pessoa de intenções mais nobres,
e da expressão mais inocente,
arrisco dizer,
que já conheci na vida.
E sobre a - agora minha - tempestade cerebral!?
Passo longe da sua genialidade, amigo,
mas esteja certo do meu CARINHOSO AGRADECIMENTO!

sábado, 15 de maio de 2010

Yellow

Dos últimos tempos, me achava uma tonta. De repente, me via em primeiro plano... Lugar no qual eu gostava de estar, porque era espaçosa. E iam, a tontura e o primeiro plano, entre eles, se alternando intensamente. Constatei: Eu era uma contradição.

Era assim que o post de hoje começaria, não fosse minha desajeitada indisposição momentânea para a subjetividade. Dormi três horas essa noite, e se isso não bastasse para justificar a indisposição, perdi o ônibus duas vezes. E, clamei, Valham-me os santos! que só eles sabem o que é perder um ônibus nessa cidade... Uma "perdida" seria pela manhã, outra à tarde. No turno vespertino esperaríamos juntas, eu e Joana, um sem fim de horas pondo toda - que nem era tão toda - conversa em dia. Diríamos qualquer coisa sobre nosso jeito de se vestir, sobre o comportamento de nossos pais, sobre nosso gosto para escolher(?) paixões, e discordaríamos, é claro, em muito uma da outra. O que na verdade nos aproximava, também, muito. Eu descobriria algumas qualidades. Falaríamos do nosso conhecimento em carros, quitutes, solteirices... Mas em dado momento nem as discordâncias nos aquietariam, e decidiríamos, de comum acordo, que uma ouviria música e a outra leria um pouco.

Fones no ouvido, sentada em um ponto estratégico da cidade, eu ouvia Coldplay cantar "Look at the stars, look how they shine for you... And all the things that you do." Não havia estrelas na tarde nublada que fazia, portanto obviamente não brilhariam, e que era Coldplay eu só saberia depois. Mas fechei, "indisciplinada", os olhos - muito discretamente - e prestei demasiada atenção por alguns milésimos de segundo só em mim mesma, a isolar o mundo de mim. Não porque eu entendesse qualquer coisa de imediato daquelas palavras, antes sim porque eu precisava, honestamente, pensar no que estava fazendo... Sozinha, sozinha, sozinha. Segui cantarolando toda cheia de mim na volta pra casa.
Qualquer analogia ao sinal de atenção (no trânsito)
e o nome da música pode não ser mera coincidência.
Mas quem se importa?

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ainda sobre caras...

Hoje um cara me contou uma história. Em suma, a história de um bilhete, em um bolso. O cara não era completamente inédito nos meus rabiscos, mas também não era aspirante à hierarquia de interessância do meu alfabeto. Contudo, a questão não era o bilhete, o bolso ou o que se deu depois daquilo tudo. A questão era o cara. Eu quis muito que aquele cara estivesse mais perto de mim do que eu supunha. Podia ser lento, secreto, quase disfarçado, mas que estivesse ali, à minha espreita. E talvez ele estivesse. E talvez, ainda, isso fosse uma vontade muito grande de que ele estivesse. De início, quando pensei em escrever sobre ele, me surgiu a dúvida que até agora não mudou de forma... Eu não sei se o cara do bilhete no bolso é tudo que eu finjo querer ser, ou se na verdade ele não se contenta com o que é e queria ser tudo que eu escondo nos meus fingimentos. É isso. Queria que aquele bolso fosse meu, e só.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Quando um texto continua tendo três verdades...

Eu me flagrei pensando (podia dizer que foi em você, mas não há tempo pra isso e ontem já fui demasiado musical) então, por consequência, em tudo o que poderia estar acontecendo. Não era uma expectativa porque eu tinha recém aprendido a não esperar nada, porque eu estava preocupada com outras coisas - ou até era, mas muito antes disso um desejo de surpresas.
Que seja. Isso resume tudo, penso: Um abismo entre nós, com uma aquelas pontes, velhas, caindo aos pedaços, para unir um lado ao outro. Entende? A gente ali, se esforçando na busca de uma decisão entre o atravessa e não atravessa. Com um dos meus pés sobre a tal da ponte, sobrou tempo pra olhar pra baixo e ver a altura do tombo, pra olhar pra trás e ver o barato de sentar comodamente e te ver atravessar, pra olhar pros lados e ver tanta gente que não atravessa e se dá super melhor do que se tivesse atravessado. Um dos seus pés deve ter estado, ainda que por pouco tempo, na mesma situação, imagino. Um abismo, uma ponte, uma dúvida. Não é bonito e não é feio. Não é doce e não é amargo. Não sei do que se trata. Mas o abismo continua lá. E a ponte também.

sábado, 8 de maio de 2010

Do sétimo dia após a morte de um namoro

"Por que eu não estava tão sorridente quanto de costume"... Droga, mil vezes droga. E agora? Eu tinha um único artifício, que não me falhava praticamente nunca, e me fazia ganhar tempo: Sorrir. Aquela era uma boa pergunta pra resposta nenhuma. Pra me fazer sair correndo e dar com a cabeça na parede três vezes, voltar pra casa chorando ou quem sabe morder o interrogador e infectá-lo - lá sei eu se esse é o termo apropriado - com a minha raiva em ouvir aquilo. Eu conseguia prever o futuro e a opinião dos críticos: "Teatro mal ensaiado, protagonista confunde comédia com tragédia e não agrada o público (que lhe atira tomates e ovos no final das primeiras cenas)."
Eu não me achava diferente, ou ao menos não me achava diferente pra pior, não achava que qualquer gesto pudesse evidenciar uma fortuita falta de sorriso, ainda assim me vi na obrigação de responder qualquer coisa. Sorrindo, retruquei: "É que eu tô de luto. Uma espécie nova. Mas sábado acaba... Segunda eu tô melhor." Saiu instantâneo, imediato, nem tão curto, nem tão grosso, (outrora inoportuno, agora muito verdadeiro, quase pronto) possivelmente a resposta perfeita. Como se estivesse guardada em algum lugar esperando pra que o primeiro infeliz me perguntasse qual era o meu problema, e então ela saísse de uma vez só. Uma farpa, um espinho, uma graça e uma verdade. Um humor entre o cinza e o negro. Outra vez, uma verdade. Eu não prolongaria, por falta de ânimo, uma coisa que não me fizesse completamente bem. Ao responder aquilo, era quase como confortar meu projeto de mudança pra melhor num lugar quentinho, que o fizesse ficar forte, grande e virar realidade.
Hoje é sábado, oito de maio, o primeiro de tantos que ainda virão. Este é o sétimo dia depois do falecimento do meu finado. É dia de missa rezada a dois, mas mais que isso, é dia de despedida. Quem sabe lhe reencontro um dia desses, finado, quem sabe sigamos por purgatórios mais ou menos disfarçados de prazeres e não vejamos um ao outro tão cedo. No fundo, no fundo, o que será feito na vida eterna pode não importar... É ótimo ser uma "viúva" muito, muito, muito, muito conformada e singular. Afinal das contas, foi quase um homicídio. São sinceras quase todas as condolências que recebo. Hoje é sábado, oito de maio, o primeiro de tantos que ainda virão. Este é o sétimo dia depois do falecimento do meu finado. Do meu nada saudoso finado...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A palavra do dia é

Sentia das bochechas, principalmente da boca e do nariz.
Por todos os santos, como sentia.
E era um sentir só de olhar. Só de chegar perto.
O que lhes definia era o adjetivo mais parecido com um eufemismo de todos. Não se precisava, pois, dizer que era suave, agradável, agradável, agradável, prazeroso, delicado, sensível, adorável, agradável, agradável, agradável. Bastava dizer...
Macio.
Ma-ci-o. adj. 1. Suave ao tato. 2. Liso, plano. 3. Fig. Suave, doce.
-
Era macio estar ali, ainda que por instantes.
Era macio gostar de estar ali...
Era macio viver, por poder estar ali...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

(des)considerações finais

Sobre você ser tão pouco, sobre você excetuar o querer sentir o sopro de seu além, sobre uma suposta mensagem final, sobre antes e depois de qualquer coisa, sobre as minhas milhões de atualizações em uma página, todos os dias, pra te acompanhar...


Acho que devesse ser essa a sua intenção. Ou, se não, é ao menos o que eu suponho quando leio o que escreves... Que despejas nas letras um tanto de mágoa e um tanto de esperança de que essa mágoa se acabe. E pode ser pretensão, sim, mas eu tenho uma vaga ideia de que a mágoa fique suspensa enquanto pensas em mim. Não me arrisco a propôr um quanto tempo que tu penses em mim durante o teu dia. Não sei nem o que tu pensas, na verdade. Não sei se o que você pensou, e possivelmente tenha voltado atrás, era um alguém tão monótono. Pensar em um anônimo, por outro lado, não é pensar em alguém que sabe dia e hora de quando despertei sua inquietude. É pensar na sensação de borboletas no estômago - como eu já costumava chamar antes de um você, tão anônimo, aparecer - que você me fez sentir. Meu caro, não quero lhe desapontar nem semear em ti raízes de culpa, mas eu já escrevia sobre você antes de você saber que eu escrevia. Antes de saber quem eu era. Antes de querer saber sobre um dia D. Antes de saber que podia ser recíproca essa ternura que eu guardava no peito. Mas você não quis me inventar, percebe? Você conheceu alguém que era pronta. Não teve o benefício da dúvida: Eu tava lá, inteira, indigesta, me sendo para que você pudesse observar. Eu mudei nesse tempo do seu anonimato. Eu rompi uma relação, eu comecei a trabalhar, eu deixei alguns princípios de lado e isso foi capaz de dar um nó na minha cabeça. Mas você não soube do nó. Você era anônimo demais. Você só foi capaz de enxergar um produto pronto dessa minha confusão. Uma superficialidade. Você não percebeu, ou ao menos eu acho que não percebeu, que eu via em ti uma fuga. Um alento, uma doçura que eu podia não estar tendo nos últimos dias. Você era o que eu não era, em resumo. Só que eu enganava bem. Imagine, chegaram a supôr que eu era você. Seria tão criativo da minha parte que lamentei por não ter sido eu a vestir um anonimato pra tumultuar, pra agitar a minha vida. Mas eu não podia fingir. Não podia tirar os créditos de uma criação tão nobre: O seu anonimato. Eu hesito muito em admitir, como hesito para admitir a maioria das fraquezas, mas preciso: Você foi o meu consolo nessa última semana. Acredita? Você fez o meu coração parar de doer. Era um sopro - ainda que não de vida - de esperança. Então, vou lhe confessar tudo de vez: Eu esperava algumas coisas dessa minha esperança. Dessa esperança que você representava. Eu precisava me sentir única, então despejei sobre você todos os meus anseios de voltar a ser tratada como diferente, como apaixonante, como alguém que é tudo aquilo que se imagina. Mas, agora, anônimo, não sinto o gosto de ser alguém que fez a coisa certa, que tem pó-mágico, que lhe faz perder o eixo. Agora eu me sinto um C, entre tantos. Voltemos a um ponto de partida onde, pra você, eu sou distante. Eu uso armas. Eu uso escudos. Eu deixo a porta se fechar. Eu ando em linha reta. Eu sou previsível, afinal. Talvez eu não seja mais aquela que não precisa ter medo (e eu concordava contigo em deixá-lo de lado), eu não posso mais te esvoaçar os cabelos ou a vida. Ou bater no teu peito em forma de vendaval e lhe bagunçar as ideias. Não posso mais, a partir do momento que você se cala. Esperei, outra vez, coisas demais. Porque cantar não espere nada, em tom de prece, parece não ter bastado para aquietar uma esperança que era toda sua, inteiramente sua, completamente sua. Você foi, pra mim, uma verdade. Uma verdade que não era superficial. Eu lhe criei eufemismos, eu cantei meu canto pra encantar. Mas não foi suficiente. E agora eu pareço não saber o que você é, além de um anônimo que nos distancia. Que possivelmente me julga.
Me fogem as palavras pra explicar o que penso... Eu não queria que você se fechasse, por todos os santos, como eu não queria. Mas não tenho mais o poder de interferir na sua vontade. Se é que um dia eu tive. Vou emprestar umas palavras do Caio Fernando, porque há algumas situações em que ele fala coisas por mim...

Eu quis tanto ser a tua paz,
quis tanto que você fosse o meu encontro.
Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências.
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha,
assim como eu não daria mais do que dispunha,
por limitação humana.
Mas o que tinha,
(e isso inclui esse sorriso, essa fome de conhecer, essa criatividade, esse brilho)
era seu.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Frágeis testemunhas de um crime sem perdão¹

Em um autodiálogo sobre querer aparecer ou querer me tornar invisível nos próximos dias, sou levada até elas, novamente. As unhas. Hoje, ainda mais especificamente, as dos meus pés. Pintadas de rosa. Rosa chiclete, o nome do esmalte. Porque alguém já disse um dia que o cor-de-rosa é um vermelho... mas muito devagar. E me apetece a história do vermelho devagar. Mas aí você vai me dizer: "É outono, e ninguém vê as tuas unhas do pé no outono. Por que não pinta as da mão, que aparecem mais?" Porque são reflexões desse tom que você costuma fazer. E eu vou responder que as coisas em mim que todos notam, todos veem, são mais difíceis de modificar. Contudo, há muitas coisas em mim que quase (quase, para efeitos de conformismo) ninguém vê, como unhas do pé no outono, e que mesmo assim me são muito importantes...
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¹ Ao som de: Engenheiros do Hawaii - Refrão de Bolero
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"Em luta, meu ser se parte em dois. Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver".
(Sempre, Caio F).

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Não é bonito sofrer

Ai que eu sou tão previsível. É verdade o que dizem. Acredita que eu choraria? Eu me descabelaria, eu diria coisas que não são verdade, só porque eu acho profundo essa coisa de escrever quando se está sofrendo. Mas seria tão limitado, tão natural de mim que acabei deixando essas eternidades e infinitos para depois. Eu não preciso. E também não me basto. Isso, isso, você leu bem. Eu não me basto. Parece que me agrada a piedade, as ternuras alheias, o olhar de "a coitada está sofrendo demais". Tudo fica claro, agora. Eu tenho pena de mim. Eu lamento não estar sentindo nada que seria cômodo sentir. Posso até estar leve, enquanto prendo a água atrás da menina dos olhos - e olha que eu nem sei se isso é realmente possível - mas eu prendo. A água, a menina, nos olhos. Quem me encontrar por aí vai notar que eu olho com cara de menina e com cara de quem tá prendendo água atrás dela. Estou prendendo e aprendendo com a leveza que pareço sentir. É tudo o que sei para escrever aqui: Não é bonito sofrer. Bonito mesmo é surpreender.
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Dica de uma leitura deliciosamente menos egoísta: AQUI
E de uma música, idem: AQUI

sábado, 1 de maio de 2010

Sobre ser príncipe, ser flor, vulcões... baobás...

Um dos meus pulmões respiraria liberdade - o outro solidão.
Era tudo do que eu tinha certeza dali para frente:
Sobreviveria da minha solidão e da minha liberdade.
Minha mãe disse, e quando as mães falam o coração dos filhos sempre ouve,
que quando queremos nos perder criamos asas.
Sentia que estava me perdendo, ou, quem sabe,
nos termos de minha mãe,
tinha decidido criar minhas asas...
Uma pena eu não dominar as técnicas de vôo.
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"(...) Assim ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:
- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!
- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho. E depois, os tigres não comem erva.
- Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.
- Perdoa-me...
- Não tenho receio de tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias acaso um paravento?
"Horror das correntes de ar... Não é muito bom para uma planta, notara o principezinho. É bem complicada essa flor..."
- À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal instalado. De onde eu venho...
Mas interrompeu-se de súbito. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por ter sido deixada apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes, para pôr a culpa no príncipe:
- E o paravento?
- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...
Então ela redobrara a tosse para inflingir-lhe remorso.
Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a sério as palavras sem importância, e se tornara infeliz.
"Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter enternecido..."
Confessou-me ainda:
"Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava... Não devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar."
Creio que ele aproveitou, para evadir-se, pássaros selvagens que emigravam. Na manhã da partida pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus dois vulcões em atividade. Pois possuía dois vulcões. E era muito cômodo para esquentar o almoço. Possuía também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia: "Quem é que pode garantir?" , revolveu também o extinto. Se eles são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, regularmente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Na terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que nos causam tanto dano.
O principezinho arrancou também, não sem um pouco de melancolia, os últimos rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram, aquela manhã, extremamente doces. E, quando regou pela última vez a flor, e se dispunha a colocá-la sob a redoma, percebeu que estava com vontade de chorar.
- Adeus, disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu.
- Adeus, repetiu ele."
Antoine de Saint-Exupéry