sábado, 30 de outubro de 2010

Cartas pra você - "Me diz, o que é pouco tempo..."

Hoje faltou luz por uns vinte minutos. Perto da meia-noite. Tava sozinha em casa, então me pus a pensar e parece que, como diz aquela outra música, toda vez que falta luz o invisível nos salta aos olhos. Acendi uma vela com cheiro doce das que ficam de adorno na estante e que a gente pensa que nunca vai ocupar, mas ocupa. Foi o que bastou para encontrar um caderno e começar a escrever à moda antiga...

Gosto de você, e acho que isso é um ótimo começo para partirmos à análise de qualquer coisa. Descobri comendo um X-calabresa, há cerca de uma semana. Nunca tinha descoberto como se devia amar alguém enquanto comia hamburgeres e digeria presuntos-pepinos-milhos-queijos e pães e calabresas, mas foi assim que ocorreu. Tava sentada na lanchonete da praça, de frente pro rio, quando ouvi dizer que, quando gostamos, devemos valorizar o que o cara tem de bom, dando ombros para as imperfeições. Foi o início dessa semana tão agitada, que eu jamais poderia prever que fosse acabar tão tranquila, tão bem. Parei de chorar. Tudo tinha razão de ser.
Na segunda, achei que você devia saber que ainda te amo. Acordei inspirada e te fiz um texto de bem mais que uma página destas. Sincero. Na terça, teu coração, quase comovido, achou irresistível vir falar comigo, e eu, apressada, nem soube como responder. Na quarta te dei um tempo de mim e analisei cada ensaio de beijo que se foi pra nunca ser. Na quinta te senti distante, na sexta tive certeza. Hoje pela manhã chorei, choramos. É que o teu chorar ultra-agiu, e eu senti no meu choro todos os choros que você derramou desde que parti. Eu sou você, às vezes.
Hoje à tarde, pensei em duzentos jeitos de te provar que eu quero ser tua outra vez, confiante, honesta, de mãos limpas. E já de noite, escrevi. Faltou luz, sobrou amor. Agradeci aos trovões e à companhia elétrica por poder te confessar pelas letras, quase em tom de segredo - às sombras da chama que ainda queima - que te quero bem mais do que pode explicar o meu parco léxico. Sei dizer que a nossa história daria um livro. De romance. Dos bons.

Muito obrigada por ler. Obrigada por escrever e ler.
São semi-intenções de dizer que te amo. Sou feliz, imenso, por você existir.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Meia volta, volver.

Estamos de tal forma... não, unidos não é a palavra.
Estou a tal ponto ligada que dei para admitir que o que era para ser eu virou você, de forma recíproca. Não espero que você entenda. Só me deixa dizer que de repente, bem mais que de repente, invertemos tudo aquilo que nos era permitido tornar contrário. Falhamos no teste fundamental do manter-se vivo na ausência, o que me parece inteligível de sua parte mesmo a certa distância. Principalmente com essa distância. Eu, mestre em quase todas as ironias, não sei o que me provoca essa vontade de te mostrar que eu posso ser melhor, e se apostar em algo, ainda que ironicamente, estarei mentindo.
Mas anota no teu caderninho: Faltou escrever que eu recuperaria essa capacidade de chorar a qualquer tempo. Faltou assumir minha desonestidade com o teu querer, faltou gritar que eu não descanso um minuto de te rememorar tão longe, e faltou dizer que eu acreditei todas as vezes, em cada instante em que você me dizia que amava pra sempre, às vezes. E é por isso que te amo e que te espero voltar. Porque você dizia com a boca e eu te sentia com o olho.
Não entendo nada de amor, nada, nada mesmo, percebo agora. Entretanto, se é que um dia entendi, foi por tua causa, tua mea culpa, mea tua culpa, mea culpa tua. Aprendi que se deve ser paciente e esperar por si, em si. Se eu mudar de endereço, daqui a uns anos, vou lhe avisar. Não precisa querer, assim, como quem quer muito alguma pessoa ou alguma coisa, mas queira um pouco saber de mim e, principalmente, me dê ouvidos. Estou esperando de braços descruzados, sentada no meio-fio, pedindo carona, torcendo para que ninguém me dê.
É que você pode não saber o dia de amanhã, mas eu quero prevê-lo crendo que um dia você voltará. Ou espero que volte, quero crer que vai querer voltar, e incrédula eu perguntarei se foi o amor que te trouxe. Você dirá que foi a dúvida, o caminho incompleto, o querer-ser do quase - pois se houvesse qualquer resquício de certeza, você não me perdoaria - e eu vou levantar e te dizer que sou nova, muito nova, muitas vezes, novíssima, e que você tem quantos séculos desejar para descobrir o que é capaz de nos unir, o que uniu e o que unirá. Mas talvez você logo não queira. Aí não tenho o que fazer.


Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
Adélia Prado

sábado, 23 de outubro de 2010

Mas que merda! Chega dessa palhaçada!

Não se ofenda.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Um dia me abduziram, sabe? (Claro que sabe. Não se faça de tonto, não) Disseram que eu pertencia à Terra, esse lugar onde as pessoas de 12 a 25 anos (às vezes mais) não se importam com nada. Nada mesmo. Não se importam com nada, nem com o que lhe diz respeito. Um universo de pessoas que querem curtiiiiiir qualquer coisa ou pessoa, uhuuuuul, animaçããããão, aproveitaaar muitoooo, bebidas, sorrisos embasbacados, beijos em bocas mais ou menos rodadas, futilidades, ou talvez, o que é pior: amores mágicos da noite pro dia, mas tudo em larga escala.
Me trouxeram pra esse lugar onde ir para a cama com alguém não significa absolutamente nada, onde usar qualquer droga é como comer feijão com arroz, onde ser burro como uma pedra não faz diferença nenhuma. O negócio é beijaaaar, ou daaaaaaar, ou namoraaar muitas pessoas, qualquer uma, ou bebeeeeeer, ou fingir que tudo está óóóóóóótimo sempre. Muito bem.
O problema é que esqueceram que no meio dessa zona toda tô eu. E que eu sou de Marte. E que lá o negócio é diferente. As pessoas aqui na Terra parecem se esquecer que eu não quero ouvir quantos elas beijaram em uma noite de Oktoberfest (e foram mais de DEZ!), que eu não quero ver fotos de gente bêbada muito feliz com suas caras de feliz a qualquer preço (custe o que custar!), que eu não quero ser a outra, que eu não quero que minha companhia seja dispensável em detrimento da moça que é dada ou que oferece certa demasia em estabilidade, que eu não quero vomitar de tanto álcool, que eu não quero voltar de uma festa fedendo a fumaça que jogam pro alto pra provar que são sabe-se-lá-o-que, que eu não quero estar perto de gente que acha o máximo usar regata pra mostrar a tatuagem e os músculos, que eu não tenho saco pra conversa mole de oi-como-tu-te-chamas-quer-ficar-comigo, que eu não admiro gente vazia, que eu não aguento cena de gente porca e medíocre, que eu não quero ter que me contentar com pouco porque o mundo todo ri às pampas de tudo que eu não acho graça.
Eu não sou assim, ainda que não seja fácil não ser assim numa madrugada com o cabelo fedendo a cigarro, as unhas roídas e uma lista de contatos babacas, acéfalos, comprometidos, desinteressantes ou ocupados demais com pequenezas terráqueas. A Terra, percebo muito a contragosto, é desses meia-bocas. Um marciano legítimo se inquieta com meia-bocas, pois sabe que a galáxia é muito maior. E, infelizmente, os marcianos estão em extinção. Só sei que não se acabaram porque, longe dos espelhos, EU ainda me sinto uma alienígena nata.
Outro dia se espantaram com os meus tantos meses de solidão. E os humaninhos idiotas, já seguros de si, me dirão que a culpa é minha. E é verdade. Talvez eu tenha pedido para ser abduzida, como poucos o fazem. Em todo caso, para efeitos de redenção, proponho uma embaixada de Marte aqui na Terra para todos os rubroplanetários que andam enojados de todas as coisas, cansados dessas estrangeirices, espantados com a tolice manifesta da exacerbada maioria da população desse planetazinho de quinta que quer nos naturalizar pela pressão.
Queria saber me camuflar no senso comum, mas é na minha vontade de isolamento que a palavra MARTE se imprime em letras garrafais em minha testa enquanto vago no meio das gentes. Que seja assim, então. Nada como uma órbita depois da outra.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O que era? O que era?

Era colorida porque essa é a cor das luzes de festa. Condensada, eu podia vê-la. Vista de longe, tinha infindos atributos e variações. Azul-céu, vermelho-batom, roxo-vinho. Caleidoscópica. Tinha o cheiro do perfume importado que escolhera para atrair qualquer maluco que se dispusesse ou não a encontrar a mulher dos sonhos antes da meia-noite. Era ouvida porque os decibéis da música popular brasileira esgotavam o admissível sempre que se sentia só no meio das virtudes. Era sentida, não sem certo remorso, ao tatear as mãos sem sinal de compromisso.
Eu já tinha elementos suficientes. Podia ser só sua.
Fui descobrir, em tempo, que ela era ingrata, quando perdeu o rumo e contornou-me o nariz encontrando a língua. Era salgada. Distante, os leigos poderiam chamar do que quisessem. Talvez chegassem todos em uma conclusão de três sílabas. Por ironia, começariam com a mesma letra. Mas a resposta da charada era una, pois inconfundivelmente minha e consoante a mais. Não tinha dúvida. Só eu sentia o gosto. Não era lágrima. Era liberdade.

João, Maria e Martha

Minha vida amorosa tá bem pra história de João e Maria: Sair sozinha procurando sabe-se lá o que, se perder na floresta, procurar as migalhas deixadas pra voltar. Infeliz de uma passarinha, comeu. Enxergar no bruxo do abrigo feito de doçuras uma esperança razoável. Continuar, pois, aprisionada. Contudo, se engana quem pensa que o felizes para sempre é a última página.

Então ela desfez-se da arrogância: “Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história. Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui."
Martha Medeiros



(...) Se despediu brevemente, evasivo.
Foi quando fechei os olhos e meu coração sorriu: Ele, é claro, também sentia.

domingo, 17 de outubro de 2010

Rumo, má fé e (in)validade

Certo dia seria perguntada sobre uma coisa muito difícil de se responder. Eu perdendo o rumo? É a má fé de Sartre em pessoa. E dando tudo pra ter uma consciência de si mesma que, sabe-se lá se, um dia, eu tive. Perder o rumo é, incertamente, ter certeza que algumas coisas precisavam ser ditas mas o prazo de validade delas já expirou há muito (ou pouco?) tempo!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Escapismo/Dinamismo

Não sei de fato para o que servem os feriados estendidos e os dias santos no meio da semana. Sou capaz de fazer algumas suposições. Talvez sejam destinados a companhia da família, a festa no interior do interior (com direito a aniversariante vestida de princesa e gentes de todas as tribos), a saber novidades da tia Carmen, comer sorvete na panificadora do Scheller, desligar o celular, rir com gente querida. Mas acho que tudo faz mais sentido ouvindo o jornal com as notícias sobre mineiros esperançosos no Chile, um dicionário em distância estratégica ao alcance das mãos, uma musiquinha baixa tocando, as vozes das visitas, uma formatação do trabalho da amiga...

Uma suposição incontestável de que devia abandonar as coisas que me acompanham há quase meio ano e que não vão mudar, porque vêm das suas mais de duas décadas. Vamos encarar as coisas com otimismo. Ao menos, não consigo mais chorar. Ao mais, vocês sorriem na janela permanentemente aberta - e sorriem de um jeito todo especial, para mim. Digo rindo que vocês são feitos para durar... Ops! Acho que me repeti, mas penso que você não vai se importar.

Pobre de quem não consegue escapar do lugar-comum que é rotular pessoas...
...como monótonas...
... quando elas são verdadeiramente previsíveis.

Dois dois

Acho que vou morrer na ignorância. Bela evolução dos tempos estão me oferecendo. Querem acabar com os arrepios espontâneos na espinha, os desejos saídos sabe-se lá de onde, de contrariar as leis da física e fazer com que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço; querem acabar com as entrelinhas, as expectativas, o dar-se por inteiro, seja lá como for. Deixem em paz os meus vinícius, pessoas, quintanas, florbelas e drummonds. Eu não quero a modernidade entrando goela abaixo com seus impulsos mecânicos, desejos fabricados, artificialidade de farmácia. Deixem-me na antiquação dos que preferem pular na piscina sem saber se tem água, correndo o risco de se afogar ofegante numa paixão mal resolvida, a criar um sentimento testado e aprovado pelo Ministério da Saúde. Repito Caio F. Abreu: "Não sei, deixo rolar. Vou olhar os caminhos, o que tiver mais coração, eu sigo." por Nathalia Duprat

sábado, 9 de outubro de 2010

Escrever e Vomitar

Vomitar. Palavra feia. Mas já falei de ser mosca, não me custa falar sobre vômito. Escrever é muito parecido com vomitar. Repito isso há dias. Es-cre-ver é como vo-mi-tar. Digo porque vai-se embrulhando o estômago e os sentidos até chegarmos em um ponto de uma espécie de náusea tonteante a qual, enquanto não se escreve, engasga-se feito azeitona de empada entre a faringe e o esôfago! Cada um reage de um jeito. Eis algumas das maneiras mais habituais: Ou vomita, ou se acomoda, admitindo que não é tão ruim ter uma sensação de desconforto dentro de si. Há também, por conseguinte, aqueles que engasgam pra nunca mais desengasgar. Ou ainda os que nasceram engasgados e assim morrerão.
Aos vomitadores de plantão, afirmo que compadeço do distúrbio, como bem se nota. Primeiro vem a ânsia, e depois a constatação de que os componentes do alimento não poderão ser digeridos com facilidade. Danou-se, preciso vomitar e reestabelecer a sensação de alívio do jejum. E mastigamos mal tanta coisa... Impossível não reparar. Sorvemos inteiros, como água, cotidianamente, os pedaços gigantes de coisas de outros. Comemos coisas de outros e seu gosto parece razoável. Por isso, embora não me orgulhe, considero que é impossível vomitar algo cem por cento nosso. E mais... Raras exceções, você sempre olha para as porções de bolo alimentar com suco gástrico e sente vergonha por ter posto aquilo pra fora. Vezenquando chega a negar autoria de assombroso comportamento. Vomitar pode parecer feio. Eu - para ser franca - só não sei é como alguém pode sobreviver, nos dias/noites/madrugadas de hoje, abstendo-se da bulimia de redações, do regurgitar quase imediato. Acho válido objetar. Alguns dirão que sou caduca e os caducos como eu concordarão:
No vômito e na escrita, você mira no impossível e lança (habitualmente) algumas parcelas que se convertem em uma. Para se sentir limpo, aliviado, livre, novo. Lança torcendo para que o odor não seja de todo ruim, ou, quando seja, não fique impregnado em você, nos outros. Para que ele não tenha efeito "vinculante" sobre seus próximos vomitares. Mas não adianta! Quando não fica o cheiro, fica o gosto. Quando não o gosto, o esgoto lembra. Alguém sempre lembra. Vale memorizar.
E é por esta e as outras que escrever, para mim, hoje, é como vomitar. Pode se esquecer do quando, do onde e do como... Nunca do por que.

Caio sempre!


“Mas não vou ceder. Foi a ultima paixão. Paixão é o que dá sentido à vida. E foi a última. Tenho certeza absoluta disso. Agora me tornarei uma pessoa daquelas que se cuidam para não se envolver. Já tenho um passado, tenho tanta história. Meu coração está ardido de meias-solas. Sei um pouco das coisas? Acho que sim. Tive tanta taquicardia hoje. Estou por aí, agora. Penso nele, sim, penso nele. Mas não vou ceder. Certo, certo: ninguém tem obrigação de satisfazer ao teu desejo, pela simples razão de que você supõe que teu desejo seja absoluto. Foda-se seu desejo, ora. Me dói não ter podido mostrar minha face. Me dói ter passado tanto tempo atento a ele — quando ele nunca ficou atento a mim. E eu passei tanta coisa dura. Rita Lee canta “são coisas da vida…”
(Caio F. Abreu)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Título: Eu queria ser uma mosca doméstica comum

Querida professora! A senhora perguntou que bicho eu queria ser e eu estou aqui pra lhe responder que eu queria ser uma mosca. Como o termo bicho, na minha concepção, é um pouco mais abrangente do que animal, as moscas parecem estar compreendidas neste conjunto. É bem verdade que pode parecer estranho uma menina como eu não escolher borboletas ou coelhinhos (aliás, por que a senhora não botou as moscas no exemplo pra gente escolher?) e é sabido que aos olhos da maioria as moscas são relativamente feias. Deve ser por isso que todos perseguem elas com mata-moscas, livros, almofadas e até umas fitas amarelas coladas no texto com cheirinho atraente. Mas enfim, eu queria ser uma mosca.
A segunda pergunta, que eu devo responder no segundo e terceiro parágrafo, é "por quê", tudo isso com base no meu conhecimento adquirido na disciplina de ciências. Bem, eu vou tentar explicar. As moscas me parecem formidáveis. Pequeninas, são ligeiras ao esquivar-se da perseguição de alguns humanos. E elas voam, como a senhora sabe. Eu me imagino voando. E elas cabem em qualquer lugar; Todo mundo já viu uma mosca presa entre as janelas abertas. Elas não se importam com a falta de espaço ou coisas supérfluas e luxuosas. Aliás, aonde é a casa das moscas? Eu não sei. Suponho que elas não se preocupem com isso, porque são livres. E eu ambiciono a completa liberdade de uma mosca. Ah! E já ia me esquecendo... As moscas tem uma visão muito ampla do mundo, mas não enxergam obstáculos. Pode parecer ridículo uma mosca confrontar um espelho, mas eu admiro muito a persistência. Elas também são simples, pois comem migalhas e não estão nem aí pra isso. Esta última informação até me faz querer esclarecer uma coisa: Queria ser uma mosca doméstica comum, porque moscas verdes me deixam um pouco nauseada. Sei que ambas se satisfazem de coisas que eu não me alimentaria, mas se eu fosse mosca e tivesse nascido mosca, acho que estaria acostumada. O problema é o verde. Minha vaidade não me permitiria vestir verde todos os dias. De fato, eu quereria ser uma mosca doméstica comum, preta básica.
Apesar de individualistas, as moscas podem achar companhia de outras moscas em qualquer lugar com um pouco de calor do mundo, a qualquer momento. Não tem consciência e, portanto, não são seletivas. Deve ser agradável ter despreocupações sociais, culturais, alimentares, reprodutivas - seja lá o que isso quer dizer. As moscas simplesmente vivem e não se preocupam com muita coisa, eu suponho. Isso me faz lembrar que eu perguntei a dois amigos o que eles responderiam nesse texto que a senhora pediu. O Luis Gustavo, que senta do meu lado, disse que ele queria ser qualquer coisa que voa e come carne, e eu pensei que nós dois poderíamos ter nascido moscas. Depois refleti melhor e acho que ele deseja alçar voos mais altos. Mas ignorante que sou, eu não conheço um outro bicho bonito e inteligente que voe e coma carne. Que seja. Já a Franciele, que senta atrás de mim, disse que queria ser um cachorro malandro e despreocupado, e quando eu pensei que se eu fosse mosca eu sobrevoaria o cocô dela, isso me fez desistir de querer saber a resposta dos meus outros amigos e, convicta, permanecer fiel aos meus princípios de querer ser o bicho que escolhi.
Por último, vou confessar à senhora que acho as moscas uns bichos muito autênticos. Este é o maior pró de suas existências. Sou muito curiosa e me agradaria não ter que disfarçá-lo. Adentraria cozinhas dos restaurantes que agora frequento, irritaria a senhora e todos os chatos que eu não gosto enquanto servissem o almoço para as visitas, pousaria sorrateira nas seções secretas dos pais dos meus conhecidos e, finalmente, colocaria a máxima do Carpe Diem para funcionar em sentido integral. O mundo teria nojo de mim e eu sorriria faceira com minha boca de mosca, sabendo estar representando primorosamente a minha espécie. Tudo isso porque, não raro, eu viveria esta vida incerta em torno de um mês. O que, convenhamos, é tempo suficiente para se desfrutar todos os prazeres de ser uma mosca doméstica comum. FIM.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"O dia" ou: Os maravilhosos mistérios da madrugada


Contudo, um dia seu coração vai... Sei lá, apertar. Ficar maior que o seu peito. Exatamente como tem ficado há dias, sem que se dê conta. Vai passar a euforia, o início vai virar meio. Você vai perceber que por mais que você tente enxergar em outro rosto e procurar em outro gosto, o meu tom é inconfundível. Sem as modéstias falaciosas, ninguém vibra na minha frequência. O meu lugar já muito pequeno, tímido, esquecido, mas ainda insubstituível. Ternura. Perceberá uma parcela considerável de ternura que não se sabe de onde vem. Você pensará para trás e não a verá. O passado, como sabemos, é escrito a caneta e, por isso, é impossível que tudo aquilo se repita ou apague. Eu sei. Você saberá melhor do que eu, quando chegar a hora. Enquanto não, vamos vivendo. Assim, imitando a paixão que um dia tivemos, o amor que um dia fizemos, o sentimento arrebatador que vivemos. E talvez, quando você me encontrar por acaso, se for uma madrugada fria e atípica de outubro/novembro/dezembro, seu coração, bem talvez, ligue o alarme. Sirenes. Sinais. Não precisa me contar, não, basta sentir. Você sentirá. Comemoraremos a falta silenciosa que lhe fazem todos os mistérios que só você desvendou em mim. E a ausência das minhas pernas, dos meus abraços, os meus cabelos, o meu sorriso. Não é mais o meu sorriso. Não tem mistério. Não são os meus olhos. Basta você fechar os seus para descobrir. E é inquietante, não se acomoda. Com efeito e ênfase. Inquietante que não se acomoda. Desviarei a visão pro fundo da sua alma que abriga um coração apertado e terei a plena certeza de que chegou o nosso dia. Quando sangra, instantaneamente, o corte parece não produzir grandes efeitos. Mas com o tempo, embriagados pela assustadora sensação que traz a madrugada, não há ferimento indolor, que não doa, que não tenha doído, que não doerá. Um dia, vai chegar o nosso dia.

Ligue, ligue, ligue, ligue, ligue para mim.
Diga, diga, diga, diga, diga que me ama
que eu não vou mais implorar...
Se quer saber, deixa estar
Digo que não ligo, mas não vivo sem você!
Eu falo, não me calo, tiro sarro
só pra ver se eu consigo despertar o seu amor
Deixa estar...
Eu sei,
que na verdade eu não consigo entender o nosso amor
Que o teu silêncio fala alto no meu peito
E que nós dois estamos juntos na distância
discrepância do destino...
Ziguezagueando zonzo de te procurar,
eu tranco no meu pranto canto alto de euforia
que eu queria te cantar.
Guardo pra mim, deixa estar...
Sei que fez um mês entre vocês, de união
Pouco, muito pouco, quase nada
Nesta estrada você está na contramão
E a solidão? Deixa estar...
Vocês vão aprender que nessa vida
não se pode mais errar
Vão descobrir que entre as estrelas
e o chão
existe o mar...
Aí então a euforia, um belo dia, vai passar
E cairá sobre seu mundo, num segundo, a traição.
Deixa estar!
Los Hermanos

sábado, 2 de outubro de 2010

Perguntas

Chovia. Eu tava doida pra te perguntar uma coisa, pouca coisa, qualquer coisa. Mas o que? Afinal, o que é que eu ainda precisava saber a seu respeito? Como? Onde? Com quem? Talvez não exatamente. Estes eram questionamentos que não me levariam muito longe.

Perguntaria se você ainda me lê. Isso. Impactante. Assim mesmo:
- Você ainda me lê? Mas, sem mais, sem menos, você poderia me responder que o "ainda" está desconexo do contexto, vagando nas minhas frases. Ora, ainda o que - não é? - se nunca fomos! Depois arriscaria, mentalmente, uma pergunta nova:
- Foi de verdade? Mas que tempo verbal mais traiçoeiro, dizer que "foi" é quase admitir que "não é", quando pra mim o presente pode existir. E isso seria demais pro meu orgulho. Ou quem sabe:
- E quando chove e você ouve as músicas que eu gosto, lembra de mim? Mas é claro que, ainda que lembrasse, você não assumiria. Pensei mais longe:
- Você me amou? Mas que pergunta mais idiota! É óbvio que não é necessário saber nada disso. E mais... Quem usa a palavra amor como quem troca de roupas, nessa história, sou eu e não você. Um tanto prolixa, possivelmente eu fizesse a tentativa de indagar:
- Está me evitando porque não é importante preocupar-se por tão pouco, ou propositalmente, pra me ferir? Ruim. Quando crendo na afirmativa, eu engasgaria no segundo termo da proposição. Simplifiquei:
- Você tá feliz? É claro que tá. Essa pergunta é batida no repertório de quem espera uma resposta surpreendente e nunca a tem.
- Se arrependeu? Não, isso eu não posso questionar, porque se você for honesto eu vou morrer na sua frente, com causa mortis "sincericídio agravado por decepção".
- E saudade? Você tem saudade de ter minha atenção? Mas antes, eu precisaria conseguir definir esse termo tão complexo, impossível.

No fim, nunca resta muito a saber. Não sobra espaço para perguntas e nem tempo para as respostas. Ambas, aliás, desnecessárias. A gente se sabe de cor. Sabe tudo. Salteado. Inteiro. Previsível. Com todas as dúvidas. Observe: Fugimos da interrogação enorme que nos causamos. E, além disso, chove.