segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um eufemismo qualquer. Ou talvez nem isso...

Andava com um vento de antes da chuva que me bagunçava os cabelos e era estranho fazer aquela retrospectiva anacrônica...
Pro Fulano eu virei persona non grata, pro Beltrano um inconveniente, pro Ciclano a mulher mais legal do mundo. Aí, pro Fernando, eu virei um mistério.
Olha só, mas que estranho lembrar disso agora. Quase me esqueço do Fernando, doador de enfeites pro cabelo. O único cara que me presenteava com gosto no meu aniversário e não se importava de gastar suas economias - o que devia girar em torno de uns dois reais - para fazê-lo. Era o garoto mais legal da quinta série e ganhava a disputa com vantagem. O problema é que, na época, eu não sabia disso.
Sempre mantivemos distância formal um do outro, o que evitou que eu gostasse dele. Eu era chata, o cabelo dele era rebelde demais. Eu só tinha olhos pros meninos que estudavam na sétima série e ele tinha sardas a mostra. Eu era a cdf-padrão e alguém da família dele tinha um puteiro. É, um puteiro mesmo.
O Fernando era legal comigo e eu tentava ser legal com ele, do meu jeito torto de ser legal. Eu o defendia toda vez que faziam perguntas indiscretas sobre o tal estabelecimento, por exemplo. O bacana é que ele me ouvia fingir que não era a chata pseudointeligente da primeira carteira, e sim uma descolada legal. E sem modéstias, eu creio que ele adorava aquilo. Ríamos juntos. Distantemente juntos. Ele tocava violão. Um violão meio velho, acho que desafinado, mas com todas as cordas necessárias para as melodias do Legião. E ele era bom em matemática.
Era só olhar na cara dele pra achar que quando ele fosse adulto - e, por certo, isso demoraria uns bons anos - ele viraria um boêmio inveterado. Algo como o boêmio mais divertido de todos. Era o meu par em teatro de máscara, apresentação de dança e em cantarolar Faroeste Caboclo. Era, afinal, amizade sincera. Mas acho que não sabíamos. Não falávamos em gostar, porque não se sabe gostar de alguém que vale à pena na quinta série. Nem depois.
Que emprego arranjou o Fernando? Cortou o cabelo? Largou os estudos? Engravidou sua Maria Lúcia? Não sei. Verdadeiramente não sei e é latente a suposição de que eu nunca saberei qual foi o seu paradeiro...
Talvez pudéssemos ter sido inesquecíveis de formas diferentes... E eu nem ao menos sei se ele lembra que um dia eu existi. Nem cartas, nem telefonemas, nem perfis em redes sociais, nem notícias. Tão longe, tão perto. O tempo fez, a seu grosso modo, o que por vezes eu quis fazer e não soube: Apagou a presença, enfraqueceu a memória, fez vingar a semente do que era novo. E foi assim que, aos poucos, meu bom amigo de quinta série foi deixado para trás na minha história. Penso que seria estranho reencontrá-lo, mas rememorar isso me distrai, noto agora, com porções generosas de sinceridade.
Nem a mulher desejada, nem uma dor escondida no fundo do peito, nem a melhor confidente. E eu, que sempre quis um pouco mais de todas as coisas, não passei de um mistério quase eterno para o Fernando.

Ou talvez nem isso...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Amor em cócegas

Madrugada quando minha mãe adentra o quarto e, me fazendo cócegas, insiste que está procurando os ponteiros do meu relógio biológico a troco de acertá-los. Um jeito sutil de me avisar que passou da hora de dormir, como sempre. Acenando com a cabeça, rindo, vendo ela apagar a luz, largando o livro, barriga pra cima, enrolando uma mecha pequena de cabelo, eu penso que minha mãe me ama com a intensidade de uma galáxia, de um palavrão.
Minha mãe pagou com o coração dela grande parte das dívidas que eu contraí com o meu. Se eu pude sempre escolher boa parte do meu caminho, se eu pude ser amiúde inconstante, se eu pude mudar de opinião quantas vezes julguei necessário, se eu tive crédito para ser autêntica e comprar tantas brigas por amor e por ódio, minha avalista sempre foi minha mãe.
A sensação que me ocorreu é que nenhum amor é igual ao amor de mãe. Porque minha mãe não transmite a sensação de que tenho obrigação de não magoá-la, minha mãe não me aprisiona, e por mais que eu vacile com ela em algumas ocasiões, ela não faz questão de que eu me sinta culpada ou mal. O amor de amiga que nutrimos está contido no amor mais fraterno que eu poderia querer estabelecer com alguém.
E se, por vezes, eu lhe falto com o respeito que deveria, se eu não lhe conto alguns dos meus segredos, se eu não lhe dedico a atenção desejada, é ainda com uma certeza muito viva de que seu amor é infungível e incondicional. Amor perfeito como o amor da minha mãe certamente não se repete.
Das tantas lições que aprendi com o amor que minha mãe me dedica, a maior delas é que amor não sufoca. É que todo amor deve ser gratuito, é que devo me afastar de todo amor que traga em si amarga espera de retribuições, de favores e provas forçadas em seu nome, de cobranças, de amarras.
Não me canso de repetir que o amor de mãe tem em si o esqueleto do que todo amor deve ser. Só quem nos ama verdadeiramente nos faz cócegas na alma, nos momentos em que ela mais precisa sorrir.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Se é amor, devora.

"Ágape é o Amor-que-Devora - repetiu mais uma vez,
como se esta fosse a frase que melhor definisse
aquela estranha espécie de amor."

O único mérito a constar é que nunca me cansei de procurá-lo, embora tenha andado por caminhos sinuosos, tortos e longos em minha empreitada. Acerca do amor eu tenho a confessar que o persigo há tanto tempo que, em minha consciência, ele nunca pareceu passar de uma espécie de bicho muito veloz que eu nunca consigo surpreender, que sempre me escapa pelos dedos, que nunca dura, que guarda na bolsa todos os bons costumes e não faz uso deles, que tem o dom de me prender como nenhum outro sentimento.
É curioso como, de tempos em tempos, tenho a impressão de que o amor dá a volta ao mundo e ao invés de ser caçador, eu me converto em presa fácil. Eu me preocupei tantas vezes em imaginar como seria encontrar esse amor que me sinto realmente sem ação, se é do caso que ele é quem me encontra e se declara.
Sempre procurei o tal do amor com tantas unhas e tantos dentes, como se diz por aí, que a cada vez que ele me bate à porta não sei tomar outra atitude que não venha a ser arranhá-lo e mordê-lo. Agarro e mordo o amor, faço um teste pra ver se ele resiste à minha insanidade, aos meus desvarios. Suponho que não é assim que se deva tratá-lo, sempre na defesa, porque ele sempre sobrevive a todas as provas de fogo pelas quais o faço passar. E é por isso que venho tentando me adaptar aos encantos que ele possui de uma forma lenta e gradual.
Tenho um coração leviano e traidor, afinal, e o amor é um bicho do qual esse mesmo coração tem um certo receio. Sabe-se lá por que diabos, então, vez em quando eu tenho uma nítida supressão de razão e invisto naquele objeto de amor que me parece perfeito. É o que temos aqui, meu caro, parece ser este o seu caso... Um tipo de amor que fica pairando entre Eros, Philos e Ágape sem saber se vai fazer uma escolha ou será um combinado de ambos.
E é exatamente por você ser daqueles que tiram as armas das mãos de quem caça, com seu afeto... Que exclui as ponderações da boca de quem teme, com beijos... Ter jeito de quem extingue o medo, com o sorriso... De quem protege por existir... De quem não busca uma resposta e continua apenas buscando, sem saber ou se importar onde vai parar... Precisamente, é por você ser réu confesso que nunca deixa de ser absolvido. Enfim, deve ser por isso que construir um amor contigo, aos pouquinhos, tem parecido deixar para trás todas as conclusões que eu já houvera tido sobre o amor e agora não parecem outra coisa que não equívoco, poeira, nada.
Eu não me importo mais que seja ou não seja amor - porque é, e quero estar junto de. Eu não me importo que seja diferente dos de antes, eu tento não me ligar ao fato de que estou entregue. Importa-me, apenas, minha novíssima consideração final acerca de amor: Eu transponho suas barreiras, ele supera as minhas expectativas. Eis que sou palco para todos os seus atos. E eis que surge um desejo. Não aquela repetição antiga a que eu estava habituada e consistia em "desejo encontrar um amor". Agora é quase uma prece. E é pra que ele não acabe...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Saudável e inevitável

Eu. Engenheiros do Hawaii. Eu que não amo você. E com toda "ordinariedade", eu finalmente não podia mais esperar. Porque não tinha mais vontade de esperar, como antes. Tentei manter a cabeça vazia pras palavras saírem como deveria ser. O ritmo por aqui andava mais acelerado que o costume. Tudo passava muito rápido e eu não sabia deduzir o que valia considerar. Eu tinha me perdido, era óbvio. O que, afinal, era uma contradição, já que a liberdade tinha ganhado todas as guerras... E foram tantas. E não bastava. Tive vontade de sair andando pela estrada, vendo as coisas que eu deveria ver. Eu não sabia bem o que era, mas deveria haver algo para ver a cada esquina. Eu precisava ver e esquecer tudo, todos. Eu acordei tendo certeza de que eu merecia esquecer tudo se quisesse ter paz. Uma pena eu não saber se era capaz...

"Quando algo indigesto para no estômago, acontece uma saudável e inevitável contração: o vômito. A forma que a cabeça tem de preservar a saúde, quando o desagradável é despejado lá dentro, e que não deixa de ser um vômito, é o esquecimento." Rubem Alves

domingo, 9 de janeiro de 2011

Perpetrar

Quis dizer que tudo fica sempre bem. Que as coisas se acertam, que nada é pra sempre e que quanto mais cedo aprendemos a não levar nada muito a sério, mais cedo a gente sorri por si mesmo. O mundo é de quem se atreve e se permite. Eu quis fazer de aprendiz alguém que queria aprender... Tudo que eu queria estar cansada de saber e ainda não sabia.
Quis fazer com que as coisas mudassem para melhor. Não detinha palavras tão poderosas. Ou não sabia fazer isso sem misturar duas doses de loucura entre as palavras. Perpetramos. Podia estar realmente arrependida. Não estava. Não assim, realmente com todas as letras.
Era simples. Era próximo. Nós poderíamos ser tudo. Mas éramos apenas o que éramos: Brinquedo novo, multifuncional, com um botão de stop que não funciona.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Para 2011, comigo! (carinho e amor à parte)

Come as you are, as you were...
As I want you to be, as a friend.
As a friend, as an old enemy...
Take your time, hurry up!
Choice is yours, don't be late...
Take a rest, as a friend.
As an old memory, memory,
memory, memory (...)
Come as you are - Nirvana

Ano novo. De novo eu quero muita verdade e desassossegos que me tirem o fôlego e inspirem recomeços, mas se nada disso for possível eu quero só família unida, amor, memória curta e bons amigos. Eu quero saber querer as coisas, conquistas e pessoas do jeito certo. E eu espero que haja um jeito certo. Eu quero que nesse ano nada seja tarde demais e tudo tenha cara de para sempre, mas com moderado descompromisso, a bem de não perder o gosto de novo que eu gostaria que os próximos doze meses tivessem. Eu quero que tudo que for ruim venha acompanhado de coragem e eu também quero tudo o que for bom, para logo, porque para logo - então - sorrirei sempre e muito.
Reitero para 2011 todos os planos que fiz para 2010. Contudo, com algumas incisões e adendos. Com cortes e novidades, afinal. Entendo que, mesmo que não quisesse, teria de começar tudo novo de novo. Então eu quero. Não vejo outra saída. Realizarei. Decido. Começo descomplicando.