sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Eco [4]

De seco, cortando fundo, ela sentenciou, para começo de conversa: Não te quero mais. Não tenho estrutura. Disse firme, sem alterar a voz. As frases consolidadas, eu podendo ouvir os pontos finais deixando claro que tinha se repetido aquilo tempo e vezes suficientes, para se convencer. Sopesado consequências. Ensaiei contra-argumentar e ela, quase engolindo o lábio inferior, acenou que não com os olhos apáticos, aparentemente de uma maneira calculada. Eu me contive e aceitei. Era não para mim, então.
Era não para o benefício da dúvida e sim para a dúvida ou para as centenas de motivos que, antes, eu havia dado a ela e consideraria legítimos. Mas ela não fez antes. Esperou acumular. E, então, esperou um estopim. Procurou um estopim. Quem sabe? Mulher sem razão é melhor que mulher com razão de sobra. O que digo, é lógico, para reiterar que preferiria que ela tivesse me batido, feito o drama, desaparecido, jogado bebida na minha cara, injuriado o meu desempenho sexual por aí para terminar quando eu descobrisse.
Se eu parar para pensar, ela também me deu alguns motivos. O tal amigo com quem conversava intimamente no fim dos domingos, e eu vim a saber depois. O ar de boa moça com aquelas aventuras no passado. Uma carreira bem encaminhada e, por conta disso, muito nariz empinado. Ser interessante demais, por exemplo. É uma honra e uma desgraça estar ao lado de uma mulher tão viçosa.
Laura não era do tipo de mulher que todo cara olha quando entra no bar. Ela era apaixonante no momento em que sorria para agradecer ao garçom, quando erguia a sobrancelha esquerda para destilar uma ironia e quando espetava um ponto fraco do discurso de alguém para sentir o tom com que o interlocutor tomava a ofensa.
Sentenciou. Esperou. Não era. Era. Sorria. Espetava. Todos os verbos no passado, já que há muito não sei mais quem ela é. Muda-se muito em pouco tempo longe. Em todo caso, Laura se dizia dura e se mostrava, pelo contrário, afável e terna no cotidiano. Mas foi dizendo (e não dizendo) coisas que o nosso nós terminou. Duríssima, ela foi. Correspondia ao seu discurso, e não à sua prática. Ou eu que sou romântico demais e enxerguei amor justo nas coisas que poderiam ter feito com que eu a odiasse nos primeiros três minutos de conversa. Que construí, com fé, a falsa premissa de que o amor suportava, enquanto a falta de "estrutura" da Laura ruía sobre a minha cabeça.
Eu me dizia: que é o amor, senão essa tontura e esse desespero e essa saudade? O amor é esta coisa linda e maravilhosa, mansinha e enlouquecedora. E ela ali, socando a minha cara verbalmente com aquela baboseira da engenharia. Na hora, não me dei conta que Laura não suportava não saber, não sabia lidar com as coisas fugindo do controle, e isto infelizmente incluía os sentimentos.
Não resistimos àquelas duas semanas em que estive fora da cidade, porque para ela a distância era nociva, tão nociva, que a consumiu. Quando Laura irrompeu, com cara de atormentada, a minha porta adentro naquela noite do meu regresso, soube que boa coisa não podia ser. Não me abraçou. Não era fúria - eu já a vi espumar de ciúme, mesmo negando - e não era tristeza. Era um desequilíbrio. E o fato de ela não dizer uma só palavra e me encarar fundo, olhos nos olhos, sem lacrimejar, só podia significar que era o fim.
Esperou. Não era. Era. De seco, cortando fundo, ela sentenciou, para começo de conversa: Não te quero mais. Não tenho estrutura. Não sei se foi orgulho. Possivelmente uma exacerbada sensação de impotência diante dos precários métodos de construção de um amor. Talvez Laura ache que o que importa no amor são as certezas, enquanto eu creio que o que o amor mais faz é colocá-las à prova, suspensos no ar, sem guindastes de segurança.

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