terça-feira, 2 de maio de 2017

A mulher do outro lado

De repente aconteceu. Eu vi chegar ao longe o morno desespero d'A Viajante de Rubem Braga. Vinha a passos lentos, onde quer que eu estivesse. Como uma neblina, inconfundível, apoderando-se de tudo que era nítido do horizonte pra cá. Da janela do carro, da rua irregular, do pôr do sol no mar aberto. Vindo, vindo. Impedindo de saber onde se põe as mãos para conter. Como um abraço de braços largos de incerteza que docemente e em alguma medida me acolhessem, mas firmes demais pra que eu não fizesse um gemido de incômodo.
Não era uma saudade, longe disso, definitivamente não era uma saudade, mas ainda assim quase me cegou. Era uma dúvida. Um desconforto. Um não saber. Era um não enxergar de caminho, caminhando mesmo assim. Mover-se. Ir andando que atrás vem gente, como diria minha avó. Era um: quem estou me preparando para ser? Quem quero ser, quem vem chegando? Que mulher me espera desse outro lado do que ainda não sou? Passada a hesitação, hei de aprender.
Conheço e prefiro o que vem depois dessa névoa baixa e fechada. A sensação de quando olhamos para as paredes de um bar e nos vimos pertencer àquele instante inteiro de serenidade e completude. Finalmente sem querer estar noutro lugar. Com o contentamento leve de pensar em si como alguém que não, não morrerá de solidão, ainda que já não encontre o futuro que esperava. Alguém que dobrará as curvas desse caminho e, sempre inesperadamente, perceberá que para qualquer direção haverá um mar, surpreendentemente belo. Um chão. Surpreendentemente firme. E um firmamento, para sonhar de novo.
Há algo de necessário e bonito nos períodos obscuros da vida, como bem se enxerga com essa paz que chega só depois.

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