terça-feira, 30 de maio de 2017

Desta água beberei mil vezes

Bem depois de cruzar o deserto e o calvário. Depois das ressacas. Depois de deixar de crer que é só dela que preciso desesperadamente para saciar todas as minhas sedes: desta água, preciso confessar, eu sei que beberei mil vezes. Mas só quando abandonar a ideia confusa de que pode ser carência, sem critério. Quando aceitar, um pouco mais em paz, que nasci com este cansaço de estar solta no mundo. Quando eu for mais a minha luz que o teu reflexo. Quando voltar a ver poesia, e não desespero, nessa dependência vital do que compõe a grande parcela dos nossos corpos, dos nossos íntimos, da nossa alegria em estar vivo. Só então, e finalmente, desta água beberei mil vezes. Porque então serei livre e inteira como na melhor das teorias a respeito.
Não me arrependo e nunca vou negacear. Resignada, eu me conheço: desta água eu beberei mil vezes, sem medo. Mas por respeito às minhas cicatrizes e por respeito, como um fim em si mesmo, quando o destino chegar já não me encontrará cavando um poço fundo no quintal.

Mesmo assim, disposta a sorver do amor até a última gota.

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