quinta-feira, 4 de maio de 2017

O deslumbre da coincidência

No décimo segundo dia, meu instinto de se aninhar finalmente descansou, contemplando assustadíssimo sua criação. Estava mesmo farto da labuta de forjar esse conforto. Quase cansado da expectativa dessas jornadas e trocas e renúncias que se emendam, incessantes, uma na outra. Cinco dias de atraso em relação à obra divina, demonstrando sua frágil e carente humanidade. Tudo pronto e acabado.
De repente, foi feito um fôlego. Um vácuo. Uma lufada bem-vinda, porém ardida, de consciência. Um suspiro embaixo d'água. Seria, quem sabe finalmente, um cessar fogo definitivo das satisfações no fim do dia? Ou, pelo menos, um momento suficiente para a constatação do que há de apavorante nessas entregas de corpo e alma desde o princípio?
Agradeci a Deus três vezes de olhos fechados por aquela pausa - toda providência tende a ser divina para os que creem -, enquanto sussurrava: agora eu vou crescer pra dentro. Não ao lado, não, não ao lado. E chacoalhava a cabeça: agora eu vou crescer pra dentro. Agora eu vou ganhar musculatura emocional.
Os olhos do meu instinto continuaram bem abertos e se enxergando, apavorados. Eram dois buracos profundíssimos, percebendo que ainda não conheciam o limite dessa entrega sem padecer de angústia. Era o meu instinto, quem sabe finalmente, parando de operar e, quem sabe finalmente, fazendo com que eu parasse de ignorar o cenário para prestigiar personagens.
O bicho indomado que há em mim precisa desnudar suas asas pra fora, sem esse instinto. Eu só não quero - eu rezo ao Pai, Deus me ajude!, eu rezo ao Pai - eu só não quero perder o deslumbre vívido e intenso das coincidências.

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